Paulo Rosa
Amizade em Nietzsche
Paulo Rosa
Sociedade Científica Sigmund Freud, Society for Psychotherapy Research
[email protected]
Na primeira parte do Zaratustra, de Nietzsche, encontramos dois capítulos, "Do amigo" e "Do amor ao próximo", onde o filósofo e poeta volta-se para a questão transcendental da amizade.
Ele inicia contemplando, como sempre sem concessões, a situação do eremita. "Eu e mim somos sempre demasiado veementes na conversa: como suportá-lo se não houvesse um amigo? Ah, há profundezas demais para todos os eremitas. Por isso anseiam tanto por um amigo e por suas alturas… Nossa crença nos outros entrega aquilo que gostaríamos de crer de nós mesmos. Nosso anseio por um amigo nos trai… E frequentemente se quer o amor apenas para superar a inveja. E frequentemente se ataca e se faz um inimigo para se ocultar que se é vulnerável" (p. 62).
Começando pelo final da citação, é contundente e esclarecedora a afirmativa de que é nossa vulnerabilidade a principal responsável por nossos encontradiços ataques ao outro e pelo comezinho interesse de gerarmos inimigos, a torto e a direito. Criando desafetos sentimo-nos potentes, olhando superficialmente, embalados pela agressividade que parte de nós e atinge ao outro, seja real ou imaginariamente. Além disso, poder observar (e apreciamos que os outros também o façam) que temos inimigos pode resultar em uma aura de que temos alguma relevância, por sermos alvo de supostas malquerenças. Que somos capazes de muito para ocultarmos as próprias fragilidades, é cousa bem sabida.
Creio, por outra parte, que Nietzsche lança mão da imagem do eremita como recurso para enfatizar a relação do eu para consigo mesmo, sublinhando ali a imagem, ainda hoje pouco enfatizada, de buscarmos agir amistosamente para conosco. Essa fugidia imagem de ser amigo de si seria o foco nietzschiano.
Logo adiante, p. 63, ele crava: "És um escravo? Então não podes ser amigo. És um tirano? Então não podes ter amigos". Um bom alerta do filósofo para essa leva de atuais sonhadores, mundo afora e também no País, com governos ditatoriais e seus produtos genéricos, os quais utilizam maquiagem para, em algo, soarem democráticos. Quando simpatizarmos com tipos tiranos, ditatoriais, autocráticos, seria recomendável buscarmos a letra de Nietzsche para iluminar-nos de que tipos assim não dispõem de amigos, e que isso deve ser motivo para nossos alertas e reflexões aprofundadas.
Em capítulo seguinte, "Do amor ao próximo", p. 66, o alemão cético traz recomendação: "Vós vos aglomerais em torno do próximo e tendes belas palavras para tal. Mas eu vos digo: vosso amor ao próximo é vosso amor ruim para convosco mesmos. (…) Vós não vos suportais e não vos amais o suficiente: agora quereis seduzir o próximo para o amor e dourar-vos com seu engano".
Nietzsche aponta ao que chama de "amor ruim" para sacudir nossa crença de amarmos mais ao próximo do que a nós próprios. Ele não compactua com essa impropriedade. Eu o vejo preciso, ainda que pareça egoísmo.
Carregando matéria
Conteúdo exclusivo!
Somente assinantes podem visualizar este conteúdo
clique aqui para verificar os planos disponíveis
Já sou assinante
Deixe seu comentário